Monday, November 06, 2006

Os meus heróis (parte 1)

Tenho pena de quando criança não ter escrito um diário, os meus pais também não escreviam o que se passava lá por casa. O meu avô escrevia muito. Pessoa muito respeitada, tinha uma mercearia que no final do século passado era a mais antiga da Feira, quando morreu, a avó mais bonita do mundo, dessas que os filmes mostram de cabelos brancos e muito meiga continuou o negócio.
Durante muitos anos ali foi o centro do meu mundo.
Um ponto de encontro para os meus amigos dos tempos que se podia andar na rua, das bicicletas sem tunnings, dos cigarros roubados, que o meu avô apontava no livro.
Ele apontava tudo, as contas dos clientes, quando alguém nascia ou morria, as coisas da igreja da qual ele guardava as chaves, as plantas, as fotos, acertava o relógio, tocava o sino e tantas vezes o acompanhei nessas tarefas. Nunca o vi a beber um copo com os seus clientes ou amigos, fumava muito, alto e forte, não precisava de levantar a mão ou a voz para controlar os terríveis netos (a.k.a. me).
Tinha alma de artista, às suas quatro filhas foi dado o nome da deusa da música, Cecília. Tocava violino, nas tunas, no coro da igreja.
A Gnr todas as semanas lá passava para saber quem era, ou, onde morava a pessoa x. O Sr. Joaquim, carteiro de profissão não falhava um dia.
Ali, não se lavava roupa suja, algumas tentativas eram cortadas pela raiz, com um "isso não me diz respeito".
Não deixou fortuna no que ao dinheiro diz respeito, em vez disso seis filhos bem criados, um nome que é respeitado e conhecido nas redondezas. Muitas vezes foi homenageado pelos seus pares, porque esta terra em que nasci, politicamente não existe, a independência nunca foi conseguida das freguesias vizinhas, como tal quase tudo o que aqui foi feito foi por obra e graça do povo, o posto médico, a biblioteca, o cemitério, a igreja, o centro onde fazia teatro, jogava ténis...e a todas estas coisas o meu avô esteve sempre ligado.
A maior homenagem foi dada pelas muitas pessoas que o acompanharam na sua última viagem
com discursos e um enorme aplauso que ainda hoje me faz arrepiar.

No seu último natal, poucos dias antes de morrer deu presentes a todos os netos, livros aos mais novos, dinheiro a mim e ao meu irmão.
Hoje, preferia que ele me tivesse dado um livro, mas não faz mal, o orgulho que tenho em ser neto do senhor Honório Rios é o maior dos legados.


1 comment:

Miguel said...

E assim vai ficando despida a nossa sociedade de Homens com H grande.

L