Wednesday, November 29, 2006

Recordar


O Natal já não provoca em mim os sentimentos que provocava e não estou a falar dos meus tempos de menino. Nos últimos anos a árvore não tem saído dos arrumos e não tenho ideia dos presentes que tenho que dar e a quem dar. Vou começar a fazer a lista e este ano ninguém vai fazer isso por mim, pode ser que o Espírito de Natal me atinja novamente (nem que seja o de consumo). Enquanto escrevo, penso numa pessoa que conheci quando era miúdo, na terrinha era conhecido por Maradona, por ter sido um jogador de futebol razoável e por ter uma carapinha como o astro argentino. Como não ligava ao que os outros diziam, ele era meu amigo. Sabia que a droga lhe tinha roubado a boa vida que podia ter. Foi ele o meu professor de bilhar eu com 14 anos ele com 30, o bilhar era pago a meias porque ele não se aproveitava de mim, nunca lhe dei dinheiro. A minha mãe a pensar que eu estava na casa de um amigo e eu cara-a-cara com os podres do mundo, tive sorte, não me deixei agarrar.
Escrevo sobre ele, porque houve um Natal em que o pai dele o mandou porta fora, ele estava sem dinheiro e foi a única vez que aceitou algo de mim. Lanchou comigo umas vezes e aceitou os cobertores que a minha mãe lhe deu, dormia numa casa que estava quase pronta. Os tempos eram outros, sei que enquanto não voltou para a casa do pai, algumas pessoas lhe deram comida e tabaco.
A ultima vez que o encontrei, o cérebro dele já não vivia aqui, continuava a subir e a descer a rua muito devagar, com passos muito curtos, os dedos enfiados nos bolsos das calças muito justas. Parecia que tinha todo o tempo do mundo e que ninguém o esperava em lado algum. Morreu há poucos anos e recordo o seu sorriso.
O que me fez contar esta história não é a moral barata de dizer "que a sociedade devia de pensar mais nos carenciados e menos na maluqueira dos consumos" mas, o porquê de eu não ter feito mais vezes isto de ajudar quem precisa.
Quanto a mim espero ter vontade de montar a árvore na sala e estragar os sobrinhos com montanhas de presentes, e se encontrar um Maradona por aí voltar a ter o coração de menino.

5 comments:

viveremsegredo said...

bem...não tenho os caracois do maradona, nem sei jogar futebol (nem sei as regras quanto mais...), mas gosto de prendas no natal, não tenho árvore em casa, mas tenho um presépio :)))), gosto de receber, gosto de dar, gosto do natal, gosto da aletria e das broas castelar, gosto do cheiro a canela, gosto da familia junta, gosto do frio, gosto de ir dormir a casa dos pais nesta noite. Feliz Natal miúdo!!!

Ana A. said...

Eu gosto é de histórias como esta. Isto sim posso chamar de presente de Natal, quanto ao resto sou contra.

Miguel said...

eu no ano passado tambem fiquei com uma certa alergia ao natal, o meu pai teve um avc na vespera e passei o natal com ele num hospital! na altura nada me fez compreender essa situação e revoltei-me contra a época os sentimentos associados, tudo!!
mas durante o ano e cada vez que mais perto estamos, mais me retornam os sentimentos natalicios, e sim o natal é vermos a felicidade dos outros e contribuirmos para a mesma, este natal felizmente ainda o vou poder passar junto ao meu pai, e se calhar só isso me importa só isso já me faz feliz!!!

nuno

Sem sono como sempre said...

Viver: Gosto de tudo o que tu gostas (falta saber das broas)e o Natal em minha casa é uma festa que eu vou descrever um dia destes por aqui.
100 sentidos: As outras coisas também são importantes, coração bem aberto e vais descobrir o que eu digo.
Nuno: Essa alergia passa, felizmente tens o teu pai contigo, tal como eu tenho a minha mãe comigo depois do susto do avc,já gosto mais do Natal!

Selene said...

Enternecedora a tua história...
Quanto ao Natal, desde há uns anos que o sinto como um proform...não consigo evitar, porque afinal o Natal (ou o verdadeiro espírito do Natal) se faz todos os dias ao longo do ano. Nada muda só porque estamos em Dezembro e por isso não sinto o natal como sentia.